História

Alguns aspetos da História da AAC. 1887 a 1950

Com data de fundação a 3 de Novembro de 1887, a Associação Académica de Coimbra (AAC) sempre se constituiu enquanto instituição ímpar no panorama do associativismo estudantil em Portugal e na defesa do academismo conimbricense. Os contornos dos prelúdios da sua existência, desde logo evidenciam a mobilização irreverente e a ansia dos seus dirigentes por construir projetos e elos entre todos os estudantes da Universidade, nomeadamente com o primeiro presidente da Associação, António Luís Gomes (1887-1890), na altura presidente do Teatro Académico (1885), a agregar-se com outros 17 académicos visando proceder a uma reforma naquela que era então designada por Academia Dramática e a lançar as bases do que viria a ser a Associação Académica.

Nas primeiras décadas de funcionamento, as convulsões políticas e sociais que se abatiam sobre o país alastraram-se à Universidade de Coimbra e à AAC, palco de diversos conflitos latentes entre estudantes monárquicos e republicanos, não obstante dos seus primeiros dirigentes terem sido republicanos convictos e filiados no recém-partido republicano português. No entanto, a sintonia dos interesses terá suplementado os desentendimentos pessoais e ideológicos e desde cedo a Assembleia Magna assumiu o seu papel nevrológico na instituição enquanto centro decisivo das lutas político-educativas e dos destinos da Associação Académica, onde todos os sócios propunham e votavam democraticamente sobre as matérias fundamentais do quotidiano universitário. A Assembleia Magna de 1905, em que foi decidido considerar sócios da AAC todo o universo estudantil, e a de 1907, onde se esboçou as primeiras linhas do “apoio ao estudante reprovado”, espelham bem os seus ideais fundacionais de democracia, igualdade, soberania e defesa dos seus estudantes.

A par da organização interna enquanto a voz dos interesses da comunidade académica, com sucessivas greves estudantis contra as prepotências dos lentes (docentes) da Universidade durante as décadas de 1910 e 1920,  a AAC caracteriza-se desde a sua criação como motor institucional que potenciou, em determinados momentos, o surgimento ou a consolidação de importantes lutas políticas no país, como é exemplo a Crise Académica de 1907, contra a ditadura de João Franco, contribuindo para o que viria a ser a revolução republicana de 1910; ou os frequentes protestos e greves contra a Ditadura Militar, entre 1928 e 1930, face à reforma draconiana do ensino universitário que levou ao fim dos exames de outubro e o aumento substancial das propinas.

Porém, não se pense que nas suas origens a Associação Académica de Coimbra somente se dedicou à política educativa. Pelo contrário, o desporto e a sociabilidade sempre fizeram parte do seu genoma, nomeadamente com o “enterro do grau” e a primeira receção aos novos alunos organizada em 1905, e no mandato de Álvaro Bettencourt de Athayde (1911-1912), filho de um dos fundadores do Orfeon Académico, dá se o primeiro jogo de futebol (que há registo) pela equipa da AAC, organizada no ano anterior. A estruturação em torno do futebol levou a que, em 1922, a Associação abrisse o Campo de Santa Cruz a todos os estudantes para essa prática desportiva, num jogo entre a Briosa e o Académico do Porto.

 Por sua vez, os estudantes dirigentes da Associação mantiveram uma estreita ligação com o Orfeon, o Teatro e a Tuna (TAUC), assim como uma intensa atividade política junto do Centro Académico Republicano (CAR), o que deu origem a frequentes repressões por parte do governo. Em 1928, a AAC junta-se aos estudantes do Porto e Lisboa na redação da “Carta Aberta dos Estudantes das Universidades Portuguesas ao Ministro da Instrução”, levando ao seu encerramento temporário e à criação de sucessivas comissões administrativas nomeadas pela Ditadura governativa. Os estudantes de Coimbra viam-se assim privados dos seus desígnios democráticos e da liberdade em realizar quaisquer sufrágios, mas os seus presidentes continuaram clandestinamente a promover o republicanismo. Na conjuntura de censura e repressão, estudantes monárquicos e republicanos uniram-se em prevalecer o bem comum e a defesa da comunidade académica, conseguindo que se efetivassem, em 1933, as eleições dos delegados dos estudantes para o Senado e para a Assembleia-Geral da Universidade.  

Na década de 1930, impulsiona-se a já existente revista periódica editada pela AAC – Via Latina – dirigida pela direção-geral (DG/AAC), divulgadora da prosa e dos ideais estudantis. No que respeita à cultura, em 1943, a Associação cria na sua sede um Museu Académico para preservar a história singular da instituição, e que ainda hoje perdura. Nesta época, a sede da AAC localizava-se no Colégio de S. Paulo Ermita na Rua Larga (onde atualmente se encontram a antiga faculdade de Medicina e os departamentos de Química e Física), mas a existência de um espaço físico que permitisse a concentração e o decorrer das atividades da Associação nem sempre foi assunto de consenso e aceitação por parte dos estudantes. Instalada no rés-do-chão da “Bastilha” (assim designado o referido Colégio) desde 1913, as instalações exíguas e degradadas da AAC levaram, a 25 de novembro de 1920, cerca de 40 estudantes autodenominados por “conjurados” (em alusão à restauração de 1640) a insurgirem-se contra a falta de condições e, por conseguinte, a invadirem o piso superior do Colégio ocupado pelo grupo elitizante do Clube dos Lentes, culminando na subida dos conjurados à torre da Universidade (Cabra) onde tocaram os seus sinos como marco desta importante conquista para todos os estudantes. Situação análoga decorreu 24 anos depois, já com a sede situada no Palácio dos Grilos por força das circunstâncias de destruição da alta e o início da projeção da nova universidade do Estado Novo (Cottinelli Telmo/Cristino da Silva). Novamente, a urgência das condições degradantes da sede da AAC convergiu, no dia 4 de abril de 1954, na ocupação forçada pelos seus dirigentes dos pisos superiores do Palácio reservados à Universidade e onde se situavam os quartos outrora pertencentes ao Cardeal Cerejeira e a Salazar, num episódio que ficou conhecido como a Segunda Tomada da Bastilha.

De facto, mesmo em tempos de Ditadura Salazarista onde a repressão e a censura vigoraram sobre as liberdades de expressão e de ajuntamento, a Associação Académica de Coimbra nunca deixou de seguir os ideais que a definiam desde os seus primórdios. A conjuntura dos anos 40 e 50 mudaram não só a configuração física da Universidade, mas também a própria mentalidade da sua comunidade académica, com vário estudantes a congregavam-se frequentemente em reuniões secretas de índole político-ideológica e, consequentemente, a influenciarem o crescimento da AAC enquanto foco de resistência política ao regime, dividindo-se internamente em fações estudantis, quer entre aqueles que ambicionavam uma ação mais assertiva contra o governo, quer os que defendiam uma postura apolítica da Associação, mas em que ambas participavam num jogo perigoso onde as autoridades académicas e policiais estavam sempre atentas e vigilantes

 Num período onde o medo se encontrava enraizado e a proibição de certas matérias educacionais prejudicava o desenvolvimento da investigação cientifica nas universidades portuguesas, os dirigentes da Associação Académica com o apoio de uma parte significativa dos estudantes, moveram-se por lutas que poucos se atreveram nesta época. A direção-geral de 1944-1945, além de ter sido a primeira a ser eleita diretamente pelos colegas em pleno Estado Novo, incumpriu e lutou com coragem contra as pressões e censuras do governo e, em Assembleia Magna, os estudantes e a direção presidida por Salgado Zenha decidem que a AAC não iria estar representada na manifestação de apoio a Salazar daquele ano, como forma de protesto. Tal ação custou a exoneração da direção-geral, mas o precedente de irreverência ficaria bem presente no seio da academia, e as palavras do seu presidente, Salgado Zenha, também: “Só é vencido quem desiste de lutar!”.